O Protocolo Mundial da Água, que se pretende incluir nas negociações do tratado pós-Kyoto, torna evidente a urgência de se regular um bem escasso, que deve ser patrimônio da humanidade.
SANTIAGO, 19 de janeiro (Tierramérica).- Em matéria hídrica, “a humanidade não tem consciência do perigo a que está submetida e vai agir somente em situações-limite. A má notícia é que esses limites se aproximam”, disse ao Terramérica Manuel Baquedano, presidente do não-governamental Instituto de Ecologia Política. Baquedano estará a cargo de um dos painéis da conferência “Fazer a paz com a água”, que acontecerá dias 12 e 13 de fevereiro na sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas, organizada pelo Fórum Político Mundial, presidido pelo ex-líder soviético Mikhail Gorbachov (1985-1991). Na conferência será discutido o rascunho do Protocolo Mundial da Água, que se pretende incluir nas negociações internacionais sobre o tratado que substituirá, em 2013, o Protocolo de Kyoto (1997).
O Terramérica conversou com o ambientalista chileno de 59 anos, um sociólogo formado pela Universidade Católica de Lovaina e autor do livro “Sua pegada ecológica” (2008).
TERRAMÉRICA: Com surgiu a proposta do Protocolo Mundial da Água?
MANUEL BAQUEDANO: Tem um longo período de maturação, já que recolheu todas as demandas em relação à água emanadas dos fóruns mundiais e da Assembléia Mundial da Água (para Representantes Eleitos e Cidadãos, do Parlamento Europeu). Isso se traduziu em um diagnóstico sobre a situação mundial da água e da necessidade de regular um bem escasso, que deveria ser patrimônio comum da humanidade, mas que em alguns países, como o Chile, é privatizado. A humanidade pode viver sem petróleo, mas não sem água. Todo o mundo fala da crise climática e dos problemas de energia. O segundo componente vital desta trilogia será a água.
TERRAMÉRICA: Pode adiantar algo sobre o rascunho do Protocolo que será debatido em Bruxelas?
MB: O objetivo de redigir este Protocolo é criar uma pré-negociação entre Estados. É um processo longo. Pessoalmente, não em nome da organização, calculo que vai demorar de 12 a 15 anos para que os Estados o aceitem. Portanto, o objetivo é que seja inscrito na agenda a ser negociada no período 2010-2012, com vistas a um acordo pós-Kyoto, em 2013. Estamos buscando um pacto público intergovernamental sobre a água.
TERRAMÉRICA: A seu ver, quais serão os temas mais críticos do Protocolo?
MB: Primeiro, declarar a água como bem público universal. Segundo, criar uma autoridade mundial que a regule e que os Estados assumam o controle da água.
TERRAMÉRICA: Como serão restringidos os interesses empresariais?
MB: Propomos uma autoridade mundial da água, que estaria coordenada com a Organização das Nações Unidas e que velaria pela parte normativa e judicial, em termos de resolução de conflitos e sanções. Buscamos coordenar os interesses privados e os públicos relativos ao uso da água. Nesse contexto, não temos problemas quanto a entregar concessões (a particulares) para seu uso e tratamento, mas não aprovamos a entrega de soberania e de propriedade da água, porque esta deve ser um bem público a serviço da humanidade. Buscamos colocar limites ao uso da água como mercadoria.
TERRAMÉRICA: Que recepção espera ter na conferência de dezembro em Copenhague, onde continuarão as negociações para o tratado pós-Kyoto?
MB: Já tive uma reunião com Ricardo Lagos (presidente do Chile entre 2000 e 2006 e um dos três enviados especiais para mudanças climáticas nomeados pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon). Apresentei esta iniciativa e ele se mostrou disposto a receber as conclusões e acertar uma entrevista com Gorbachov para ver como se pode incluir a questão da água no acordo pós-Kyoto. Já foram estabelecidas as perspectivas de ligação.
TERRAMÉRICA: Quais diferenças existem entre este projeto de Protocolo da Água e iniciativas anteriores?
MB: Uma das coisas mais importantes é que o documento facilitará uma pré-negociação entre países. Na primeira conferência, em Bruxelas. estará reunida uma grande quantidade de pessoas, muito legitimadas em todos os campos: político, cientifico e social. Este documento, com esta legitimação, servirá de base para uma segunda rodada de negociações entre Estados. E, quanto tivermos uma massa crítica, levaremos as negociações à ONU. Agora, por que um status particular para a água? Porque é um elemento vital e, se seu uso não for regulamentado, será fonte de conflitos maiores. Se hoje as guerras são pelo petróleo, no futuro serão pela água. Se temos uma cultura de paz e queremos nos adiantar aos grandes conflitos que a humanidade vai enfrentar, temos que deixar avançar o processo de regulamentação do uso da água.
TERRAMÉRICA: A América Latina é uma região estratégica em matéria de reservas de água doce. Com avalia sua proteção?
MB: É uma região estratégica porque tem aqüíferos (águas subterrâneas), rios muito grandes, como o Paraná e o Amazonas, e geleiras. É abundante em água, que está ameaçada. Vejo os governos preocupados em dar à população acesso à água. O que não vejo muito é uma distribuição mais eqüitativa de seu uso e uma proteção, direta ou indireta. Por exemplo, o derretimento de geleiras é um fenômeno mundial, mas no Chile e países andinos ainda não se assume a gravidade da situação. Não vejo políticas de conservação, prevenção, coleta de água no sentido de criar novas infra-estruturas que permitam utilizá-la melhor. Se isso continuar, milhões de seres humanos ficarão sem sustento de vida.
* A autora é correspondente da IPS.
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3043&olt=405
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